A Forma da Água

Um conto de fadas adulto. Esta é a melhor definição para a nova obra do diretor Guillermo del Toro, "A Forma da Água", que está concorrendo a 13 Oscar neste ano.

Vale ressaltar que sou fã do trabalho dele desde o filme Mimic, de 1997, que foi um dos responsáveis por inserir alguns traumas na minha infância. Conhecido por sua predileção por monstros, criaturas e fantasmas, além de uma mão forte na direção, encontramos aqui mais um exemplo de sua excelente cinematografia.

A trama do filme se passa na década de 60, quando uma instalação secreta do governo recebe uma criatura encontrada na selva amazônica. Capturado, o humanoide anfíbio antes venerado como um Deus, agora encontra-se à mercê das crueldades de Richard Strickland (Michael Shannon). Até que a muda Elisa Esposito (Sally Hawkins), uma das zeladoras do local, começa a se afeiçoar pelo monstro e planeja libertá-lo do cativeiro.

As interações entre os dois personagens
ocorrem sem uma palavra sequer.
Gosto de filmes que brincam com o conceito de monstro / humano, de quais características separam uns dos outros e de como, muitas vezes, existe uma linha tênue entre os dois. E o roteiro de del Toro e Vanessa Taylor consegue explorar com maestria essa premissa. Em determinado momento do longa, um personagem diz: "Por que devemos nos arriscar para ajudar essa criatura? Afinal, não é nem humano!". E a brilhante resposta para o questionamento, nos deixa com um nó na garganta: "Se nós não fizermos nada, o que seremos?". Trata-se de um longa que possui camadas além do conto de fadas. Um filme que propõe algumas reflexões e traça paralelos entre como nós, seres humanos, conseguimos ser verdadeiros monstros, com nossas ações nefastas ou ideologias discriminatórias, enquanto os supostos monstros na aparência, são capazes de atos de bondade, compaixão e até mesmo de amar.

Os quesitos técnicos do filme, tais como edição, fotografia, direção de arte, efeitos visuais e maquiagem, são de um primor incontestável. E algumas cenas, principalmente aquelas embaixo d'água, são tão visualmente belas, que dá até vontade de emoldurar em um quadro.

A ambientação da década de 60 é outro fator apaixonante no filme. As luzes, os designs das cidades, os veículos, a arte e o romantismo das maravilhosas cantoras de musicais como Carmen Miranda, estão presentes e ditam o tom do longa. Até mesmo a mudança nos conceitos publicitários são levemente abordadas através do personagem Giles, de Richard Jenkins, o vizinho gay e amigo de Elisa, que batalha para conseguir emplacar suas artes publicitárias pintadas à mão, em meio a uma fase de transição para as fotografias. É como se o diretor quisesse nos mostrar que o mundo purista, inocente, artístico e autêntico que estamos presenciando no filme, está se transformando lentamente, dando lugar ao mecânico, trivial e cruel. Tal qual um incêndio em uma fábrica de chocolates, que representa uma tragédia por si só, mas ao mesmo tempo deixa um delicioso aroma de cacau queimado no ar. Um contentamento agridoce.

Eis aqui o monstro do filme!
As atuações também são outro show à parte. O personagem de Richard Jenkins, como dito acima, é encantador em suas inseguranças e seu humor depressivo e ansioso. A atriz Octavia Spencer, que interpreta Zelda, a amiga de Elisa, também está muito bem no papel. O destaque, porém, vai para a interpretação do vilão de Michael Shannon, Strickland. Trata-se de um personagem muito bem escrito. E todos os maneirismos do ator, desde a postura, até mesmo as caras e o jeito seguramente frio de se expressar, acabam deixando o espectador desconfortável em cada cena que ele aparece. Dizem que os melhores vilões são aqueles que, no fim das contas, nem sequer sabem ou se vêem como tal. Neste ponto, o personagem consegue ser ainda mais assustador, por realmente acreditar que está fazendo o bem, até mesmo em seus comentários racistas e deploráveis, ou seus atos cruéis.

Um amor para ser sentido, não racionalizado.
Devem ter notado que ainda não mencionei as atuações do casal protagonista Sally Hawkins e Doug Jones (a criatura), não é mesmo? Isso é porque eles merecem um parágrafo à parte. O maior acerto do filme, sem dúvidas, é unir uma personagem muda, com uma criatura que apenas emite sons e ruídos, mas também não fala. Como dito durante o longa, entre eles não há diferenças, não há imperfeições. Eles se completam, se entendem. E, neste meio tempo, o espectador consegue não só compreendê-los, como também senti-los. Isso sem que digam uma só palavra sequer. 

O mérito para alcançar esse êxito narrativo, sem dúvidas vem dos extremamente talentosos atores envolvidos. A interpretação de Hawkins, por exemplo, torna os sentimentos e anseios de sua personagem tão palpáveis, que você quase consegue tocar o abstrato. E a conexão dela com o anfíbio interpretado por Jones é para ser sentida. O espectador percebe nas nuances de comportamento, nos olhares da criatura e nos toques entre eles, que um elo de confiança e amor está sendo construído ali. O acerto nesse quesito é perfeito, porque palavras poderiam não ser capazes de racionalizar o fato de uma mulher se apaixonar por um monstro, mas sentimentos são (o trocadilho com "A Bela e a Fera" foi intencional). E afinal o que é o amor, senão um sentimento para ser sentido e nunca racionalizado? Dessa forma, o filme traduz perfeitamente o amor em imagens. Não em palavras. Pois tentar rotular o amor, seria o mesmo que tentar dar uma forma à algo livre e corrente, como a água. 

Resumindo, "A Forma da Água" é sem dúvidas um dos grandes trabalhos de del Toro. Um longa mágico. Um conto de fadas adulto, que nos toca e nos faz sentir. E não há mais nada que se possa esperar de uma obra-prima cinematográfica, senão despertar sentimentos. Recomendadíssimo!

Nota: 5/5 - Excelente!

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